A Vida é uma Festa
Sabrina Duran
Não é normal que um ser humano fique estático diante de um bem. “A felicidade tem caráter festivo”, ou seja, deve ser celebrada, comemorada. Era uma festa temática, anos 70. Na pista, luz estrobo, muitas calças boca-de-sino, cores fortes nas camisas, estampas, cabelos black power super densos. Na vitrola muito Abba, Alicia Bridges, Sister Sledge e Gloria Gaynor. Os convidados nem se importavam com o espaço restrito para tantos braços e pernas que se moviam em ritmo disco. A alegria era maior que qualquer aperto. Minha amiga, a anfitriã, fazia aniversário e, além disso, estava prestes a realizar um “mochilão” pela Europa dali alguns dias. Ela tinha um duplo motivo para comemorar, duas felicidades alcançadas: mais um ano vivido e a iminência de uma viagem que lhe daria ótimas experiências.
“A felicidade consiste em alcançar a plenitude, a qual encontra-se no fim, que é o primeiro que se deseja e o último que se consegue”. Esta definição de felicidade é do filósofo grego Aristóteles, e parece deixar claro que a plenitude (ou felicidade) é conquistada não de imediato, mas ao longo de um processo, do cumprimento de algumas etapas, da construção de algo.
No caso da minha amiga é bem clara a etapa de 365 dias que ela completou desde seu último aniversário até àquele outro; o mochilão pela Europa também custou-lhe a vivência de algumas etapas: a primeira delas foi sonhar com a viagem, desejá-la; depois veio o planejamento para poupar dinheiro, estudar os melhores roteiros, os melhores hotéis, meios de transporte adequados e mais uma série de detalhes para, só depois, voar para a Europa.
Mas o tema deste texto, embora pareça, não é sobre a felicidade em si – esse tema, aliás, dá pano para muitos textos – e sim sobre a celebração da felicidade. No livro Fundamentos de Antropologia – Um ideal da excelência humana (editado pelo Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio), o filósofo espanhol Ricardo Yepes Stork explica que o ser humano tem uma maneira muito prática de contemplar os bens que ama. “(...) O homem não contempla de uma maneira estática, como se ficasse paralisado pela beleza do ser amado. Ele celebra a plenitude”. Sendo ainda mais claro: o homem faz festa! “A felicidade tem caráter festivo”, reitera Stork.
Para os filósofos clássicos, esta celebração receberia o nome de ócio. Para nós, no entanto, o termo soa pejorativo, pois o entendemos como um “não fazer nada”. Para eles significava “um tempo dedicado aos prazeres da apreciação, à contemplação, ao uso da inteligência para saborear os bens mais altos (...)”.
Stork, em seu livro, usa o termo “ações lúdicas” para se referir às atitudes que celebram a felicidade, e atribui a essas ações quatro traços bem específicos:
1. As ações lúdicas têm um fim em si mesmas
Por exemplo, cantar, dançar e tocar música não servem para outra coisa senão para serem apreciadas em si mesmas. Não estão ordenadas a algo posterior, como o trabalho ou outra ação técnica estão. “As ações lúdicas expressam e provocam sentimentos que têm a ver com a felicidade, como a celebração da excelência”, diz Stork.
2. O tempo das ações lúdicas está separado do tempo normal
Estas ações têm lugar dentro de um contexto, como uma festa, um jogo ou algo que o valha. Fora desse contexto, a ação lúdica torna-se inadequada e até grotesca. “Ninguém vai assistir uma aula fantasiado”, exemplifica o filósofo espanhol.
3. O riso, a alegria, a piada e o cômico fazem parte das ações lúdicas
“A extraordinária e singular capacidade humana de levar as coisas na brincadeira é exercitada quando ingressamos, de algum modo, na região do lúdico, na qual somos felizes por haver alcançado o fim e a plenitude, ainda que apenas relativamente. Por isso rimos e nos divertimos”.
4. Uma palavra resume as ações lúdicas: brincar
Uma simples partida de um jogo é uma “felicidade provisória, uma ocupação felicitária”, afirma o filósofo também espanhol Julián Marías, falecido no ano passado. Mesmo as “felicidades pequenas”, como cantar uma música, jogar uma partida de tênis ou ir ao teatro, têm seu mérito para a vida humana.
Se as grandes plenitudes da vida – um aniversário, a entrada na universidade, um nascimento, a recuperação da saúde após uma grave doença – são dignas de festas e celebrações marcantes, acontecimentos dos mais rotineiros também despertam na alma humana desejos de comemorar. A pausa para um café com os colegas após um dia inteiro de trabalho, o encontro com um amigo para espraiar as idéias e recuperar o ânimo, um filme no vídeo para fechar o sábado com leveza... tudo isso é, em maior ou menor grau, contemplar os bens que amamos. Se é ócio para os clássicos ou celebração para os contemporâneos, não muda a essência do que foi dito até agora. O fato é que ambos estão de acordo que a vida humana está para ser comemorada.
FONTE:
http://filosofiaparausar.blogspot.com/
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